Olho Por Olho
O replicante corria pelo árido tapete do deserto ao lado da antiga ferrovia usando toda sua força sobre humana. Corria para salvar sua vida e o segredo que protegia. Dezenas de metros atrás dele, uma velha Scania a diesel fabricada em meados dos anos 70, o perseguia com seus velhos pneus adaptados para areia. Era guiada por um velho caçador de replicantes, o mais temido deles, um homem de meia idade cujo nome causava pavor aos clones: Nimrod.
Se conta nas lendas que o inferno havia reencarnado na terra e que esse era o seu nome. Não havia misericórdia para aqueles replicantes capturados por ele. Eram mutilados ainda vivos e com crueldade.
A caçada já durava dez dias. Adão-248 corria tentando se salvar. Precisava chegar as rochas no deserto e depois dela à grande cratera, sítio da detonação termonuclear Hades[1], como ficou conhecido o inferno termonuclear que emergiu dela. Ali, a radiação mataria quase que instantaneamente qualquer humano pois os replicantes eram imunes.
Os replicantes não possuíam nomes. Eram tatuados com um número luminescente dentro da órbita inferior do olho direito. O preconceito para com os clones ainda era mais forte do que havia sido para com os afrodescendentes antes do holocausto atômico. Replicantes quando capturados, eram torturados como numa inquisição católica da idade média.
Adão cruzou a ferrovia entre dois vagões destruídos e abandonados que compunham uma velha locomotiva saltando para o outro lado entrando na zona de radiação, ganhando uma vantagem sobre seu algoz que certamente não desistiria de o perseguir. Em seus pensamentos enquanto corria, a imagem de sua bela esposa replicante, Eva-252, o inspiravam a prosseguir e salvar sua vida. Um profundo segredo que Eva carregava o inspirava ainda mais a prosseguir lutando por sua existência. Era esse segredo que ele precisava proteger a qualquer custo.
Órgãos de replicantes eram uma relíquia valiosa no mercado de órgãos se sempre havia um doente preconceituoso da elite pós-apocalíptica disposto a pagar qualquer preço por um órgão para transplante.
Nimrod parou a caminhão, desceu e se se vestiu com um macacão contra radiação ganhando uma proteção de cinquenta minutos para continuar a caçada. Voltou ao volante e acelerou atravessando com sua Scania modificada entre os vagões arremessando ferros retorcidos para todos os lados. Ele ainda possuía um trunfo. O cavalo possuía um motor envenenado pronto para ser usado uma única vez.
- Agora eu pego você, pele falsa! – Declarou para si mesmo o caçador do inferno. – Vou arrancar e vender seus órgãos por bons créditos. – Completou. Num mundo pós-apocalíptico não havia dinheiro e tudo era negociado ou trocado por créditos.
Cem metros os separavam um do outro. Adão estava quase chegando às rochas quando Nimrod ligou o gás envenenando o motor da Scania que arrancou possante dando um salto à frente.
De repente, a dor! Um arpão atravessou a cocha esquerda de Adão-248 antes que ele chegasse às rochas. O puxão o arremessou para atrás em direção ao cavalo à diesel. Adão caiu de costas para a areia escaldante e quando abriu os olhos, o caçador infernal já estava sobre ele brandindo um punhal serrilhado ao sol. A faca entrou abaixo da sua orbita esquerda e ele pode sentir enquanto Nimrod o cortava ao redor da orbita ocular e, então, tudo escureceu. Acordou alguns minutos depois sob aquele sol vermelho infernal. Enxergava apenas com o olho direito...
A vingança acabava de nascer. Adão-248,
o replicante, não descansaria enquanto não desse fim à existência do maligno
Nimrod e enviasse suas almas de volta ao Hades e não, certamente antes, de lhe
arrancar o olho esquerdo e faria isso para proteger Eva-252 e o grande segredo
que ela carregava.
- Olho por
olho... - Balbuciou antes de desmaiar novamente. Dois anos se passariam antes
que Adão pudesse realizar sua vingança e, até lá, Eva estaria protegida e seu
segredo guardado pelo tempo que havia sido determinado.
Adão, juntou
todas as forças que lhe haviam sobrado e se levantou. Rasgou um pedado de suas
já maltrapilhas roupas e fez uma bandagem cobrindo a órbita esquerda vazia do
olho que se lhe havia sido arrancado e retomou sua jornada em direção à Nova
Saféd onde Eva, segura e protegida dos caçadores de replicantes, o aguardava.
Atravessando
Hades, contemplava as inúmeras estacas com cadáveres de caçadores de replicantes
pendurados sobre elas, troféus de uma tribo de clones que residia nas cavernas
escavadas nas rochas, um aviso aos caçadores que, desavisados, se aventurassem
pelo Hades em busca de replicantes.
- Olho por olho! –
Balbuciava para si mesmo enquanto deixava suas pegadas pelo Hades, o local da
grande cratera, o vale dos Replicantes. – Olho por olho... – Sussurrava.