sábado, 28 de julho de 2018

Os Karets



Os Caret’s

À medida em que os exilados foram gerando filhos, suas proles foram adquirindo centelhas de almas do poço profundo, escorias dos primórdios da criação misturadas com centelhas dos pecadores. Suas crianças já nasciam deficientes, deformidades tão horrendas que nem mesmo seus pais ousavam encará-las e por isso, suas faces disformes estavam sempre escondidas por mascaras feitas de retalhos. Assim, a tribo dos Caret’s, como foram chamados por aquela antiga nomeação do singular “Caret” cujo significado é “cortado”, crescia a cada ano, populando os lugarejos já abarrotados com mais aleijados disformes, comedores de carne humana, tornando ainda mais perigoso permanecer para fora das Eruvim[1] ao crepúsculo e nem mesmo os caçadores de Caret’s queriam se aventurar por aquelas bandas além das cercas ao entardecer avermelhado do mundo pós holocausto atômico, se bem que por vezes, o crepúsculo vermelho proporcionava um espetáculo apavorante para os que ainda se recordavam do mundo pré-apocalíptico.

Os pântanos jaziam repletos de esqueletos de Caret’s mortos ao nascer e que serviram de alimento para para criaturas ainda mais vis que os Caret’s – os Naziqim – seres outrora humanos, mas que após o ocaso da humanidade, são chamados de “As pragas da humanidade”. Já imaginou seres formados apenas pelo torço superior, rastejantes sobre o próprio ventre? Não tente imaginar para que, sua imaginação não assombre a sua alma. A visão metia medo até mesmo nas almas dos mais elevados.

Os Caret’s possuíam um líder, Avon, era um dos poucos que sobreviveram aos cogumelos atômicos. Sua aparência era horrenda. Faltavam partes do seu corpo e em alguns lugares mesmo os seus ossos eram visíveis. Seu coração podia ser visto batendo dentro do seu peito quando ele estava nu da cintura para cima ou usando trapos que eram as vestimentas comuns da população dos estropiados radiológicos. Um contador gaigher se acionaria a metros de qualquer uma das aldeias de Caret’s tão altos eram os níveis de radiação na multidão de hórridos deformados.

À entrada de cada vilarejo assentado sempre dentro das fendas que conduziam as cavernas interiores dentro dos vales, sempre havia um Caret vivo pendurado em uma cruz de metal e mais eram visíveis os seus ossos do que o que lhes restava de carne que havia sido devorada pelos próprios rádio-indivíduos membros do povoado. Era um aviso sombrio do destino que aguardava os que ousassem penetrar tais esconderijos. Um Caret crucificado permaneceria vivo durante muitas semanas sendo alimentado por seus irmãos disformes, um horrendo recado.

Nas estradas que conduziam às zonas habitadas pelos Caret’s, havia sempre uma placa com os dizeres “Contemplem os Caret’s! Que repulsa há agora contra a maldade?” Se um dia o mundo acreditou ter contemplado todas as horrendas ações da humanidade, se descobriria ainda horrorizado com o que o mundo havia se tornado. Antigamente havia aquele provérbio da sabedoria sobre a alma do pecador que havia sido cortada e lançada abrasada sobre as pedras afogueadas do Jardim do Éden para serem pisadas pelos justos, mas agora, nem mesmo os justos queriam calcar sobre as incandescentes centelhas manchadas dos Caret’s, os que se deram ao regalo de devorarem as carnes dos seus irmãos.

- Não há  mais cinzas no Éden – Dizia sempre um eremita – pois os cortados não são mais semeados aos pés dos justos – apregoava o místico andarilho.

“- Ai de vós, remanescentes dos homens, pois os Cortados caminham entre vós e vossa carne lhes será dada como alimento. Ai de vós...”



[1] Cercas

Autor
Bën Mähren Qadësh
"Crepúsculo De Bronze"