Os
Caret’s
À
medida em que os exilados foram gerando filhos, suas proles foram adquirindo
centelhas de almas do poço profundo, escorias dos primórdios da criação
misturadas com centelhas dos pecadores. Suas crianças já nasciam deficientes, deformidades
tão horrendas que nem mesmo seus pais ousavam encará-las e por isso, suas faces
disformes estavam sempre escondidas por mascaras feitas de retalhos. Assim, a
tribo dos Caret’s, como foram chamados por aquela antiga nomeação do singular
“Caret” cujo significado é “cortado”, crescia a cada ano, populando os
lugarejos já abarrotados com mais aleijados disformes, comedores de carne
humana, tornando ainda mais perigoso permanecer para fora das Eruvim[1]
ao crepúsculo e nem mesmo os caçadores de Caret’s queriam se aventurar por
aquelas bandas além das cercas ao entardecer avermelhado do mundo pós
holocausto atômico, se bem que por vezes, o crepúsculo vermelho proporcionava
um espetáculo apavorante para os que ainda se recordavam do mundo
pré-apocalíptico.
Os
pântanos jaziam repletos de esqueletos de Caret’s mortos ao nascer e que
serviram de alimento para para criaturas ainda mais vis que os Caret’s – os
Naziqim – seres outrora humanos, mas que após o ocaso da humanidade, são
chamados de “As pragas da humanidade”. Já imaginou seres formados apenas pelo
torço superior, rastejantes sobre o próprio ventre? Não tente imaginar para
que, sua imaginação não assombre a sua alma. A visão metia medo até mesmo nas
almas dos mais elevados.
Os
Caret’s possuíam um líder, Avon, era um dos poucos que sobreviveram aos
cogumelos atômicos. Sua aparência era horrenda. Faltavam partes do seu corpo e
em alguns lugares mesmo os seus ossos eram visíveis. Seu coração podia ser
visto batendo dentro do seu peito quando ele estava nu da cintura para cima ou
usando trapos que eram as vestimentas comuns da população dos estropiados
radiológicos. Um contador gaigher se acionaria a metros de qualquer uma das
aldeias de Caret’s tão altos eram os níveis de radiação na multidão de hórridos
deformados.
À
entrada de cada vilarejo assentado sempre dentro das fendas que conduziam as
cavernas interiores dentro dos vales, sempre havia um Caret vivo pendurado em
uma cruz de metal e mais eram visíveis os seus ossos do que o que lhes restava
de carne que havia sido devorada pelos próprios rádio-indivíduos membros do
povoado. Era um aviso sombrio do destino que aguardava os que ousassem penetrar
tais esconderijos. Um Caret crucificado permaneceria vivo durante muitas
semanas sendo alimentado por seus irmãos disformes, um horrendo recado.
Nas
estradas que conduziam às zonas habitadas pelos Caret’s, havia sempre uma placa
com os dizeres “Contemplem os Caret’s! Que repulsa há agora contra a maldade?” Se
um dia o mundo acreditou ter contemplado todas as horrendas ações da
humanidade, se descobriria ainda horrorizado com o que o mundo havia se
tornado. Antigamente havia aquele provérbio da sabedoria sobre a alma do
pecador que havia sido cortada e lançada abrasada sobre as pedras afogueadas do
Jardim do Éden para serem pisadas pelos justos, mas agora, nem mesmo os justos
queriam calcar sobre as incandescentes centelhas manchadas dos Caret’s, os que
se deram ao regalo de devorarem as carnes dos seus irmãos.
-
Não há mais cinzas no Éden – Dizia
sempre um eremita – pois os cortados não são mais semeados aos pés dos justos –
apregoava o místico andarilho.
“-
Ai de vós, remanescentes dos homens, pois os Cortados caminham entre vós e
vossa carne lhes será dada como alimento. Ai de vós...”
Autor
Bën Mähren Qadësh
"Crepúsculo De Bronze"